"Rimas de ventos e velas
Vida que vem e que vai
A solidão que fica e entra
Me arremessando contra o cais..."
- Alguém tem que soltar a âncora e seguir viagem - disse ele com a frieza que lhe era comum.
- Mas eu não consigo! - sussurrou ela com lágrimas nos olhos.
- Você tem que ter coragem de pegar o leme e ir para alto mar!
- E se eu naufragar?
- Você é forte! Vai conseguir! E se o que te falta é coragem, eu mesmo solto a âncora para você. A única coisa que não quero é que você fique aqui, não dá mais pra remarmos juntos!
A pesada âncora que prendeu aquele veleiro por anos no Porto Solidão foi solta. Ela estava livre para procurar outro cais, navegar outros mares, sentir outros ares.
Navegou até perdê-lo de vista. Naquela noite se deparou com águas turvas e o mais completo breu. Uma escuridão infinita, não tanto nos olhos, mas na alma.
Forte ela resistiu. Passou ilesa pela tempestade e atracou em outro cais. Lembrava-se sempre do Porto Solidão e da solidão que foi obrigada a trazer consigo.
Ela não sabe, mas até hoje ele chora arrependido de tê-la mandado embora e esperando ver seu barco no horizonte. E se ela tivesse mesmo naufragado?
Do lado de lá do oceano, ela vivia no Porto do Descontentamento, preferia ter remado pro Porto da Felicidade, mas não conhecia o caminho. Morava no vilarejo da Mágoa, na rua da Saudade, vizinha do Arrependimento. Ela esperava que o barco dele viesse à sua procura, mas a dor da expectativa insatisfeita era mortal.
Ela estava em terra firme, mas já havia naufragado e morrido desde que deixara aqueles olhos no Porto Solidão.