quinta-feira, 27 de junho de 2013

No quase, no nunca e no sempre.

As coisas estavam de algum modo tão boas que podiam se tornar muito ruins porque o que amadurece plenamente pode apodrecer. 
(Clarice Lispector)


Com um cigarro no cinzeiro e um copo na mão eu espero que a felicidade bata à minha porta. Janis no som murmura: Can't you see I'm still left here and I'm holding on in needing you... Como se cada nota calasse fundo dentro de mim.

Não que seja comodismo esperar a terra prometida sentada no sofá. Tá bom, até é! Mas o que eu sinto está mais para cansaço, um puro cansaço, um genuíno cansaço de quem só correu em círculos e chegou à terra do nunca.

Enclausurada em minha solidão posso ver a multidão pela janela. Tantas pessoas paradas na esquina, tantas bocas gargalhando, olhos, mãos e abraços. Mendigo um pouco de alegria a quem se aproximar oferecendo seu tempo para ouvir meus devaneios. 

Sou triste? Não tenho grandes motivos para sê-lo. Está mais para uma angústia daquelas que     me deixam insone por noites a fio. É uma sede, mas não de água. A sede por transgredir, a sede por abandonar velhos e (des) confortáveis sentimentos. Deixando de lado o comodismo,   a segurança, as garantias, a tal felicidade cristã. 

***

Hoje, eu não queria estar ali, não queria estar assim, queria estar comigo. Hoje, existir dói como um soco no estômago. Uma insensatez,  uma loucura, um salto no escuro, talvez me permitissem uma nova forma de vida. Era preciso libertar-me. 

Depois de livre, o que fazer? Dar vazão às instabilidades interiores. A harmonia de outrora agora pode dar lugar ao autêntico caos que sempre viveu em mim como um bicho faminto e sedento que eu mantinha em uma jaula, por medo que os outros conhecessem essa face, não digna de aplausos.

As certezas não são mais absolutas, as perguntas não têm mais respostas e os medos sem porquês. Só projeções dessa mente já cansada de esperar migalhas de alegria.

***

Perdida em devaneios não percebi quando alguém bateu à porta. Após alguns segundos de insistência, atendi. Era ele. Estava ali, a dois passos de mim, quase um sonho, eu podia jurar que era uma visão.

- Tava passando aqui perto e resolvi te dar um abraço.
- Pode entrar e sentar. Se quiser...
- Não, obrigada! Só passei mesmo, estou com um pouco de pressa.
- Mas você veio aqui só pra isso?
- E pra que mais seria?
- Eu pensei que...
- Você pensa coisas demais.

Ele sorriu sem graça, me deu um abraço e se foi apressado, como se estar na minha presença lhe causasse algum incômodo. Quanto a mim, ainda simulei um sorriso enquanto o vi se afastar e se perder na esquina. Uma lágrima quis rolar por aquilo que não tem cura, nem remédio. E rolou. 






terça-feira, 4 de junho de 2013

Brief an den vater

Qualquer semelhança com Carta ao Pai, de Franz Kafka não é mera coincidência. 



Há alguns meses (seis talvez?), você me perguntou por que eu não conseguia agir naturalmente com você, me perguntou o motivo de eu sempre esquivar de seus gestos e seus afetos. Essa motivação não é algo que eu possa reunir numa fala. E se eu tento expressar a dimensão desse sentimento aqui, pode ter certeza que ainda assim é incompleto. Pois o assunto ultrapassa qualquer entendimento da minha parte. 

Esse seu modo despreocupado de ver as coisas já me incomodou. A indiferença doía e eu te culpava por tudo que sou hoje, tanto bom quanto ruim. Sabe como é, Complexo de Édipo, Freud que tudo explica.

Pra que encontrar culpados por nosso distanciamento?  Você, eu, isso não tem mais a menor importância... Não quero mais que você reconheça isso, que se culpe ou que me faça de vítima. Já está um pouco tarde para recuperar tanto tempo e eu me conformei de certo modo. Não estou sendo pessimista, mas sei do que cada um de nós é capaz e isso me faz ser realista.

Eu já deveria gozar de certa maturidade emocional e ter te superado de vez. Assustado? Pessoas também são superáveis, mas infelizmente não consegui. A única coisa que me deixa feliz, se assim posso dizer, é o fato de não precisar ensaiar nenhum modo de demonstrar afeto, já que sua ausência é maior que tudo isso.

Dor, saudade, desespero, emoções conflitantes e até antagônicas que me atacam quando você aparece. Eu poderia dizer que sinto um ódio pungente por você, ao mesmo tempo em que te admiro profundamente. Eu poderia te falar de todo o meu amor, apesar de tudo, mas não o farei. Visto que nem o ódio pungente e nem a admiração existem.

Eu poderia, em uma dessas crises existenciais, processos de renovação ter sido invadida por um amor incondicional, conforme aprendi com o padre na igreja: “Deve-se pagar o mal com o bem”. Mas não dá. E olhe que não é por falta de tentativa. Antes, me parecia mais fácil te dedicar amor, ou qualquer coisa parecida. Eu costumava ansiar por sua chegada, não pelas bonecas que você me trazia, nem pelos telefonemas com data marcada. Eu costumava ansiar pelo seu braço e pelo sorriso que porventura eu ganharia.

Hoje eu não espero mais pelas bonecas, nem pelos telefonemas, muito menos pelos abraços. A única coisa que espero é pelo seu silêncio. Esse sim, nunca falhou.

Procuro me manter serena, sem maiores desesperos, sem te pedir nada, nem mesmo que venha até mim. Já não me importo. Desde aquele dia que eu não me importo:

- Oi, está podendo falar? - disse eu ao telefone

- Não reconheço a sua voz, quem é que tá falando?

- É a Ana!

- Ana? Não lembro de nenhuma Ana.

- Como assim? Você não tem nenhuma Ana importante na sua vida?

- Não sei mesmo. Não lembro.

- Tudo bem,  também não sei quem você é.