Qualquer semelhança com Carta ao Pai, de Franz Kafka
não é mera coincidência.
Há alguns meses (seis talvez?), você me perguntou por
que eu não conseguia agir naturalmente com você, me perguntou o motivo de eu
sempre esquivar de seus gestos e seus afetos. Essa motivação não é algo que eu
possa reunir numa fala. E se eu tento expressar a dimensão desse sentimento
aqui, pode ter certeza que ainda assim é incompleto. Pois o assunto ultrapassa
qualquer entendimento da minha parte.
Esse seu modo despreocupado de ver as coisas já me
incomodou. A indiferença doía e eu te culpava por tudo que sou hoje, tanto bom
quanto ruim. Sabe como é, Complexo de Édipo, Freud que tudo explica.
Pra que encontrar culpados por nosso distanciamento? Você, eu, isso não tem mais a menor importância...
Não quero mais que você reconheça isso, que se culpe ou que me faça de vítima.
Já está um pouco tarde para recuperar tanto tempo e eu me conformei de certo
modo. Não estou sendo pessimista, mas sei do que cada um de nós é capaz e isso
me faz ser realista.
Eu já deveria gozar de certa maturidade emocional e
ter te superado de vez. Assustado? Pessoas também são superáveis, mas
infelizmente não consegui. A única coisa que me deixa feliz, se assim posso
dizer, é o fato de não precisar ensaiar nenhum modo de demonstrar afeto, já que
sua ausência é maior que tudo isso.
Dor, saudade, desespero, emoções conflitantes e até
antagônicas que me atacam quando você aparece. Eu poderia dizer que sinto um
ódio pungente por você, ao mesmo tempo em que te admiro profundamente. Eu
poderia te falar de todo o meu amor, apesar de tudo, mas não o farei. Visto que
nem o ódio pungente e nem a admiração existem.
Eu poderia, em uma dessas crises existenciais,
processos de renovação ter sido invadida por um amor incondicional, conforme
aprendi com o padre na igreja: “Deve-se pagar o mal com o bem”. Mas não dá. E
olhe que não é por falta de tentativa. Antes, me parecia mais fácil te dedicar
amor, ou qualquer coisa parecida. Eu costumava ansiar por sua chegada, não
pelas bonecas que você me trazia, nem pelos telefonemas com data marcada. Eu
costumava ansiar pelo seu braço e pelo sorriso que porventura eu ganharia.
Hoje eu não espero mais pelas bonecas, nem pelos
telefonemas, muito menos pelos abraços. A única coisa que espero é pelo seu
silêncio. Esse sim, nunca falhou.
Procuro me manter serena, sem maiores desesperos, sem
te pedir nada, nem mesmo que venha até mim. Já não me importo. Desde aquele dia
que eu não me importo:
- Oi, está podendo falar? - disse eu ao telefone
- Não reconheço a sua voz, quem é que tá falando?
- É a Ana!
- Ana? Não lembro de nenhuma Ana.
- Como assim? Você não tem nenhuma Ana importante na sua vida?
- Não sei mesmo. Não lembro.
- Tudo bem, também não sei quem você é.
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